quarta-feira, 23 de março de 2011

O debate em torno do controle da motivação da lei


por Saul Tourinho Leal (*)
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem como o primeiro item da pauta desta quarta-feira, dia 23 de março, o RE 633.703/MG, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, que traz de volta ao Plenário outro aspecto da Lei Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa. Dessa vez, o primeiro ponto da discussão é a aplicabilidade da Lei às eleições de 2010, em razão do artigo 16 da Constituição Federal dispor que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Trata-se de mais um round dessa disputa que chamou a atenção de todo o país. Por enquanto, num resultado conturbado e de certa forma enigmático, o que está valendo é que a Lei da Ficha Limpa tem aplicação imediata.
Outro aspecto que deve ser retomado, agora com a nomeação do ministro Luiz Fux, uma vez que a Corte conta com quorum completo, trata da rejeição dos pedidos de registro de candidatura de políticos que renunciaram ao mandato para escapar da cassação, mesmo antes de as novas regras de inelegibilidade entrarem em vigor.
O STF manteve a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que rejeitou o registro da candidatura de Jader Barbalho, senador eleito pelo Pará, mas que, em 2001, renunciou ao mandato evitando uma possível cassação.
Durante o julgamento, chamou a atenção manifestação do ministro Gilmar Mendes para quem: “A lei é casuística, reprovável e hedionda”. Para Sua Excelência a alínea ‘k’ da lei, que torna inelegível o político que renuncia evitando sua cassação, foi incluída pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para “resolver a eleição no Distrito Federal”. No DF, o principal adversário do candidato petista ao governo era Joaquim Roriz, que, em 2007, renunciou ao mandato de senador evitando uma possível cassação.
Essa afirmação, contudo, fora contestada posteriormente, sustentando-se que o dispositivo, na verdade, constava da versão original da proposta da Lei da Ficha Limpa. Ainda assim, o argumento trazido pelo ministro Gilmar sai do senso comum reinante e caminha em direção a um dos mais fascinantes temas do controle de constitucionalidade contemporâneo, qual seja, a possibilidade de o Judiciário declarar uma lei inconstitucional em razão de suas motivações violarem a Constituição.
É possível que o STF ingresse na motivação das leis em vigor para que defina se haveria, na hipótese, inconstitucionalidade? Parece ser esse o questionamento.
Os Estados Unidos da América realizaram discussão semelhante e provaram que, por vezes, o legislador, motivado por clamores populares e também pelo próprio jogo da política partidária, é capaz de violar a Constituição escondendo-se por trás do manto da “boa intenção legislativa”.
No início da década de 70, a Suprema Corte daquele país contava com maioria formada no sentido de que não seria possível que o Judiciário declarasse a nulidade de uma lei pelo fato de ela ter motivação inconstitucional.
No caso Palmer v. Thompson, 403 U.S. 217, (1971), a Corte entendeu que “em nenhum caso proposto à apreciação da Corte constatou-se que um ato legislativo violara a igualdade de proteção unicamente em virtude das motivações dos homens que votaram a favor dele”[1]. Negando-se a ingressar na motivação do ato legislativo, a Corte compactuou com a manutenção de uma lei que, por motivação racial, determinou o fechamento de piscinas municipais na cidade de Jackson, Estado do Mississippi, no qual já vigorava ordem judicial de dessegregação de todos os espaços públicos.
A reticência da Suprema Corte em ingressar na discussão acerca da motivação de atos legislativos no exame de sua constitucionalidade foi mantida e o festival de decepções com os resultados dos julgamentos também. A cada negativa de ingressar na motivação da lei, a violação à Constituição se mostrava mais evidente.
Nos Estados Unidos vigora a cláusula constitucional do artigo I que estabelece que não serão aprovados atos legislativos condenatórios (Bill of Attainder) sem o competente julgamento, assim como leis penais com efeito retroativo.
Em 1974, o então presidente Richard Nixon se viu atropelado por uma intensa disputa partidária, e diante do escândalo denominado Watergate, foi forçado a renunciar à presidência da maior potência do mundo. Após a renúncia, o Congresso aprovou uma lei que se chamava Lei ‘Richard Nixon’ e previa que, diferente de outros ex-presidentes, Nixon não poderia ter acesso aos seus papéis e fitas arquivados na Casa Branca até que eles tivessem sidos catalogados e revisados. A Lei não se aplicava a qualquer futuro presidente alvo de impeachment.
Uma lei feita sob medida, oxigenada por forças partidárias, para alcançar adversários específicos. No caso, um adversário: o ex-presidente dos Estados Unidos.
A Suprema Corte foi acionada quanto à constitucionalidade da Lei por meio do caso Nixon v. Administrator of General Services. Embora dividida, concluiu que a lei não era um Bill of Attainder vedado. A Corte justificou que Nixon não estava sendo punido, embora admitisse que a lei humilhava-o — humilhação à qual nenhum presidente tinha sido submetido, nem um futuro presidente o seria. O resultado do julgamento foi inusitado. A maioria entendeu que Nixon era uma legítima "classe de um"[2]. Curioso!
A luz do julgamento veio com os votos divergentes dos justices Burger e Rehnquist. Burger entendeu que a lei consistia em um Bill of Attainder proibido, pois “impunha um estigma de descapacitação a alguém que foi retirado do poder, merecidamente ou não, no sentido de que identificava explicitamente o indivíduo ou indivíduos que deviam ser penalizados”.
Burger também afirmou que “os momentos de grande sofrimento nacional dão origem às paixões e isso nos faz lembrar a razão pela qual os três ramos do Governo foram criados separados e co-iguais, cada um destinado a uma verificação, por sua vez, sobre possíveis excessos cometidos por um ou por ambos”. Para ele “o ato praticado pelo Congresso de elaborar uma lei para punir uma pessoa, ato este posteriormente ratificado pela Suprema Corte, rasga o tecido do quadro constitucional norte-americano”[3]. Burger registrou ainda que não precisaria, nem faria, qualquer investigação acerca dos motivos do Congresso em impor essa privação para apenas uma pessoa. Isso porque a jurisprudência indicava que a retaliação e a vingança não seriam elementos formadores do Bill of Attainder.
Já o justice Rehnquist fez constar na nota de rodapé 5/2 lançada no seu voto: “Eu não esqueci dos excessos de Watergate, e do impulso que esses excessos deram a esta legislação”. Vejam que os votos divergentes destacaram os excessos cometidos pela política-partidária contra um adversário político, excessos estes materializados numa lei com nome e sobrenome: Lei Richard Nixon.
Apesar da contundência dos argumentos, os justices ficaram vencidos.
Poucos anos depois, a Suprema Corte norte-americana teve um novo encontro com o seu legado. Desta vez, ela tratou de corrigir a sucessão de equívocos históricos quanto ao modo pelo qual vinha exercendo o controle de constitucionalidade de leis com motivações inconstitucionais. Apreciando os casos Washington v. Davis, 426 U.S. 229 (1976[4]) e Village of Arlington Heights v. Metropolitan Housing Development Corp, 429 U.S. 252 (1977)[5],entendeu ser “necessário provar a intenção ou o objetivo de discriminação racial para demonstrar que houve violação da Cláusula de Igual proteção”, reconhecendo, assim, a possibilidade de sindicar a intenção do legislador em atendimento ao mandamento constitucional do devido processo legislativo.
John Hart Ely, autor importante para a compreensão das nuances do judicial review norte-americano, defende a possibilidade de ingressar na motivação dos atos legislativos a fim de declará-los inconstitucionais, caso haja uma motivação contrária à Constituição. Para ele: “em primeiro lugar, existem casos concretos em que uma motivação inconstitucional, mesmo da parte do Legislativo, pode ser constatada com toda plausibilidade; e, em segundo lugar, haverá casos em que um ato que intuitivamente parece inconstitucional só poderá ser apresentado efetivamente como tal com base na teoria da motivação”[6].
Ely nos traz um interessante exemplo: “Suponhamos que um sargento da Guarda Nacional precise escolher três membros de seu pelotão, composto por seis homens, para uma tarefa particularmente perigosa de repressão a uma rebelião civil, e acabe por escolher Fulano, Beltrano e Sicrano”[7]. Nesse caso, não teríamos qualquer violação à Constituição caso a escolha tenha se baseado, por exemplo, na pontuação mais alta alcançada nas provas de tiro. Contudo, Ely fornece outro cenário. Para ele, “suponhamos, entretanto, que eles foram escolhidos por serem metodistas, ou republicanos, ou por terem ascendência polonesa – ou simplesmente porque o sargento não gostava deles. Nessas circunstâncias, nossa intuição nos diz que Fulano, Beltrano e Sicrano receberam um tratamento que não condiz com a Constituição”[8].
Não se nega a dificuldade de comprovação por parte da Corte da presença de uma motivação inconstitucional em atos legislativos. Isso porque, o Tribunal necessita demonstrar racionalmente e por meio de argumentos a presença de tal mácula. John Hart Ely, reportando-se ao exemplo da Guarda Nacional acima, diz ser óbvio que “os problemas de produção de provas seriam enormes (principalmente se os três escolhidos fossem de fato os melhores atiradores), mas é preciso perceber o que sugere o exemplo que o mesmo ato do Estado pode ser constitucional ou inconstitucional dependendo dos motivos pelos quais foi efetuado”[9].
Ely faz questão de destacar que o raciocínio não faz sentido somente na prática, mas também do ponto de vista teórico, uma vez que, “se certas pessoas forem privadas de determinado direito por motivos de raça, religião ou política, ou simplesmente porque a autoridade que faz a seleção não gosta delas, isso será incompatível com as normas constitucionais. No momento em que tal princípio de seleção foi adotado, o sistema passou a funcionar mal: de fato, podemos dizer com exatidão que a seleção negou o devido processo”[10].
No caso da Lei da Ficha Limpa poder-se-ia argumentar a impossibilidade de definir qual motivação única ou pelo menos a dominante teria maculado o processo legislativo ao qual ela fora submetida. Ely é sensível a esse tipo de questionamento e diz que “as considerações que dão pertinência à motivação não exigem que se descubra uma motivação ‘única’ (será que isso existe?) ou mesmo ‘dominante’ (o que quer que isso signifique), e sim que nos perguntemos se uma motivação inconstitucional parece ter influenciado de modo significativo a escolha: se houve tal influência, o procedimento foi ilegítimo – negou-se o ‘devido processo legislativo’ – e seu resultado deve ser declarado nulo”[11].
Vale lembrar um último caso no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos ingressou na discussão a respeito dos motivos que guiaram a aprovação de uma dada lei.
A Assembléia Legislativa do Alabama havia aprovado uma lei que reordenava os limites do município de Tuskegee, excluindo de sua área geográfica a grande maioria dos quatrocentos eleitores negros que lá residiam. A lei teve sua constitucionalidade questionada por meio do caso Gomillion v. Lightfoot. A Suprema Corte declarou a nulidade da lei, entendendo que “leis ordinariamente legais podem tornar-se ilegais quando feitas para a obtenção de fins ilegais”[12]. A decisão foi unânime.
É preciso refletir sobre a afirmação do ministro Gilmar Mendes quanto às intenções do legislador quando introduziu a alínea ‘k’ da Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível o político que renuncia ao mandato evitando cassação. Isso porque, não seria retórico dizer que se trata, sim, de um casuísmo e, assim o sendo, está aberta a possibilidade de o STF ingressar nesse campo para aferir sua constitucionalidade.
Leis casuísticas existem no Brasil e em outros países. Julgamentos proferidos por supremas cortes mantendo tais leis também são rapidamente identificados. O que talvez mude é a disposição da crítica jurídico-literária em rebater os argumentos da Suprema Corte. É preciso desnudar precedentes judiciais, não só o da Ficha Limpa, como também todos aqueles que afetam diretamente a vida pública brasileira.
Esse é a maior contribuição que se pode esperar daqueles que acompanham os debates constitucionais no nosso país.
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[2] TRIBE, Laurence DORF, Michael. Hermenêutica Constitucional. Tradução de Amarílis de Souza Birchal; coordenação e supervisão de Luiz Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 39.
[3] Relato disponível em http://www.oyez.org/cases/1970-1979/1976/1976_75_1605. Acesso mar 2011.
[4] Relato disponível em http://www.oyez.org/cases/1970-1979/1975/1975_74_1492. Acesso mar 2011.
[6] ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Título original: Democracy and distrust: a theory of judicial review. Tradução Juliana Lemos. Revisão técnica Alonso Reis Freire. Revisão da tradução e texto final Marcelo Brandão Cippola. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 186.
[7] Ibidem, p. 183/184.
[8] Ibidem, p. 184.
[9] Ibidem, p. 184.
[10] Ibidem, p. 184.
[11] Ibidem, p. 185/186.
(*) SAUL TOURINHO LEAL é advogado, secretário-geral da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB-DF. Doutorando em Direito Constitucional pela PUC-SP e mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Professor de Direito Constitucional do IESB e Professor do IDP.
Fonte: Conjur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-mar-23/lei-ficha-limpa-controle-motivacao-lei-eua. Extraído em: 23/3/2011.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Candidato não pode ser excluído de concurso sem trânsito em julgado de condenação


A exclusão de candidato inscrito em concurso público pelo fato de haver contra ele um procedimento penal em andamento viola o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal) que, embora esteja vinculado ao processo penal, irradia seus efeitos em favor dos cidadãos nas esferas cíveis e administrativas. Com base neste entendimento, já consagrado em decisões das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (SFT), o ministro Celso de Mello negou provimento a Recurso Extraordinário (RE 634224) da União contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em favor de um cidadão que disputou uma vaga de agente da Polícia Federal.
O candidato foi excluído do certame na chamada fase de “investigação social”, quando verificou-se que ele respondia a uma ação criminal que ainda não havia transitado em julgado. No decorrer do processo, o candidato foi absolvido desta ação penal e houve o trânsito em julgado da decisão. No recurso ao STF, a União sustentou que a decisão do STJ teria transgredido os preceitos da presunção de inocência e também da legalidade, impessoalidade, moralidade, expressos no artigo 37 da Constituição, e insistiu na possibilidade de imediata exclusão de candidatos nesta situação. O argumento foi rejeitado pelo ministro Celso de Mello, que qualificou a garantia constitucional da presunção de inocência como conquista histórica dos brasileiros contra o abuso de poder e a prepotência do Estado.
“O que se mostra relevante, a propósito do efeito irradiante da presunção de inocência, que a torna aplicável a processos (e a domínios) de natureza não criminal, é a preocupação, externada por órgãos investidos de jurisdição constitucional, com a preservação da integridade de um princípio que não pode ser transgredido por atos estatais (como a exclusão de concurso público motivada pela mera existência de procedimento penal em curso contra o candidato) que veiculem, prematuramente, medidas gravosas à esfera jurídica das pessoas, que são, desde logo, indevidamente tratadas, pelo Poder Público, como se culpadas fossem, porque presumida, por arbitrária antecipação fundada em juízo de mera suspeita, a culpabilidade de quem figura, em processo penal ou civil, como simples réu!", afirmou.
Segundo o ministro "o postulado do estado de inocência, ainda que não se considere como presunção em sentido técnico, encerra, em favor de qualquer pessoa sob persecução penal, o reconhecimento de uma verdade provisória, com caráter probatório, que repele suposições ou juízos prematuros de culpabilidade, até que sobrevenha – como o exige a Constituição do Brasil – o trânsito em julgado da condenação penal". Celso de Mello acrescentou que a presunção de inocência não se "esvazia progressivamente", na medida em que se sucedem os graus de jurisdição. “Mesmo confirmada a condenação penal por um Tribunal de segunda instância (ou por qualquer órgão colegiado de inferior jurisdição), ainda assim subsistirá, em favor do sentenciado, esse direito fundamental, que só deixa de prevalecer – repita-se – com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, salientou Celso de Mello. 
VP/CG
Fonte: Notícias do STF. Publicado em 15/3/2011. Extraído em: 16/3/2011.
Processos relacionados
RE 634224 

segunda-feira, 14 de março de 2011

Presidente do STF trabalha mais e Corte decide menos


por Gabriela Rocha

A presidência do Supremo Tribunal Federal está trabalhando mais para a corte decidir menos, e com mais qualidade. É o que aponta o Relatório do STF de 2010, que mostra uma demanda oito vezes maior que em 2007, passando de 4.152 casos para 35.757. A atuação originária do presidente nos recursos manifestamente inadmissíveis evitou a distribuição de 32.204 processos, equivalente a 44% do total de processos recebidos. Apenas 8,3% dessas decisões foram objeto de Agravo Regimental, 2% a menos do que em 2009.
Além disso, a aprovação da Emenda Regimental 39, em 5 de agosto de 2010, — que permitiu ao presidente remeter, diretamente, ao órgão competente os Habeas Corpus para os quais o STF é manifestamente incompetente — permitiu que não fossem distribuídos 87% dos pedidos feitos em causa própria.
Em comparação ao Supremo de três anos atrás, cada ministro teve 542 processos a menos para lidar, e entraram no tribunal 9,6% feitos a menos do que em 2009. O total de 88.701 ações fez com que, depois de onze anos, o acervo processual finalmente abaixasse para menos de 90 mil processos.
Além de diminuir, a demanda mudou de perfil. Há três anos, 93,5% dos processos que tramitavam no tribunal eram Recursos Extraordinários e Agravos de Instrumento. Hoje, esses tipos de ações representam 54% do total, mas os ministros deram provimento a apenas 5% dos 45.237 Agravos de Instrumentos que chegaram. Como se pode imaginar, o tribunal recebeu muito bem a Lei 12.322/2010, que determina que o Agravo seja recebido como preliminar ao recurso e que suba ao STF nos autos dele.
Os bons resultados foram causados, em grande parte, pela aplicação da Repercussão Geral, protagonista no fortalecimento do seu papel constitucional e que também ajudou a aprimorar o processo decisório e a unificar o entendimento sobre matérias relevantes. Para isso, o trabalho conjunto com os tribunais, de priorizar os temas que os sobrecarregavam, ou que apresentam divergência jurisprudencial, foi fundamental.
No ano passado, o tribunal julgou o mérito de 21 casos nos quais aplicou a Repercussão Geral. Os efeitos da aplicação desse instituto jurídico, que foi implementado pela Lei 11.418/06, foi o principal motivo da diminuição na quantidade dos recursos. Em 2007, chegaram mais de sete mil recursos, em 2010, apenas 1.740. Com isso, os relatores decidiram, monocraticamente, mais do que a metade do que decidiram em 2007: passando de 128.564 para 56.641.
A queda no número de processos foi acompanhada, como consequência, pela queda na quantidade de decisões. Ao julgar 2.431 ações em 79 sessões no ano de 2010, o Pleno decidiu quase quatro vezes menos do que em 2007, quando foram analisados 8.034 casos.
Controle de constitucionalidade
Em 2010 chegaram ao tribunal 4.510 Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade, 27 Ações Declaratórias de Constitucionalidade, 221 Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental e 11 Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade por Omissão.


No que diz respeito à função de guardião da Constituição, o Relatório parece dizer que o STF tem decidido menos na forma concentrada (151 em 2007 e 89 em 2010) e mais na difusa (563 em 2007 e 602 em 2010). Sobre essa impressão, a Assessoria de Comunicação da corte apresentou algumas interpretações possíveis. A primeira delas é de que se considerado o total de ações julgadas pelo STF em 2007 e em 2010, a participação das ações de controle concentrado se manteve estável na quantidade de 0,09%.
Uma segunda interpretação é a de que o número de decisões de controle concentrado do Pleno, em 2007 (151) superou o de 2010 (89), mas foi igualado, no total (0,09%), pois “em 2007, muito provavelmente, houve menos decisões monocráticas do que em 2010”. Segundo o STF, como o mérito das ações de controle concentrado é sempre julgado pelo Pleno, “quando há mais decisões monocráticas num ano do que em outro, isso pode significar que foi negado seguimento às iniciais, mais num ano do que em outro. A negativa de seguimento de ações é feita por decisão monocrática, a partir de vícios insanáveis das petições iniciais, que impedem a apreciação do mérito”.
No que diz respeito ao controle difuso, o Supremo considera que “a diferença de 563 para 602 é muito pequena, do ponto de vista estatístico, para sustentar qualquer interpretação segura”.
O processo eletrônico
Há três anos, foram recebidos apenas 502 processos pela via eletrônica no Supremo, contra 107.504 processos físicos. No ano passado, o número foi 20 vezes maior: 10.128 processos eletrônicos contra 63.174 físicos.


Desde 20 de abril, com a Resolução 427/2010, as seguintes ações só podem ser ajuizadas eletronicamente: Ação Civil, Agravo Regimental, Habeas Corpus (com exceção de daqueles ajuizados em causa própria ou sem assistência), Mandado de Segurança, Mandado de Injunção, Suspensão de Liminar, Suspensão de Segurança e Suspensão de Tutela Antecipada.
Uma grande mudança aconteceu no dia 22 de novembro. A partir desta data as peças eletrônicas só podem ser acessadas pela internet, com exceção das ações de controle concentrado de constitucionalidade, e dos recursos extraordinários paradigmas de repercussão geral, que, por serem de interesse coletivo, continuam a ser disponibilizados para consulta irrestrita. Os processos que tramitam em segredo de justiça só podem ser acessados pelos advogados e partes cadastrados.
O ritmo acelerado do ano passado foi acompanhado pelas comunicações eletrônicas, já que o STF celebrou convênios com a Procuradoria-Geral da República, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para enviar intimações e citações eletrônicas através do sistema de Malote Digital, que existe no Supremo desde 2002.
A corte também mudou a distribuição dos feitos, que passou a ser em tempo real, e não mais em três horários prefixados, e com a publicação diária de acórdãos. Não foi à toa que no dia 2 de novembro o ministro Ricardo Lewandowski zerou seu estoque de Habeas Corpus e de recursos em HC, por ter implantado em seu gabinete o “Sistema de Gestão de Qualidade”.
Direito Penal
Com mais tempo, o Supremo pode se empenhar mais na área criminal, considerando “a importância do tema para atuação do Poder Judiciário como um todo e para a realização da Justiça”, e julgou as primeiras ações penais originárias desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988.


Segundo a Assessoria de Comunicação do STF, em 2010 foram julgadas as 10 primeiras ações penais após a existência das alíneas “a” e “c” do inciso I do artigo 102 da Constituição, que determina que: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I — processar e julgar, originariamente: a) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.
Das 2.431 decisões do Pleno do STF em 2010, consideradas como mais importantes pelo Relatório da Corte, destacamos as seguintes:






RE 630.147: O Plenário decidiu que, assim como havia entendido o Tribunal Superior Eleitoral, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) já deveria ser aplicada em 2010 e confirmou que o governador do Distrito Federal Joaquim Roriz era inelegível.

ADI 4.541: O STF suspendeu uma regra prevista na Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997) que impedia as emissoras de rádio e televisão de veicular programas que viessem a degradar ou ridicularizar candidatos nos três meses que antecedem as eleições. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) defendeu que nela havia censura.
ADI 4.467: Três dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais, o STF entendeu que os eleitores só podiam ser impedidos de votar se não apresentassem um documento de identificação com foto, e declarou inconstitucional a exigência da apresentação do título de eleitor na hora da votação.
MS 29.988: O mandato parlamentar conquistado nas eleições pertence ao partido, e a formação de coligação é uma faculdade atribuída aos partidos políticos para disputarem o pleito, e tem caráter temporário e restrito ao processo eleitoral. Ao entender assim, o Pleno determinou que a vaga decorrente de renúncia de deputado federal seja ocupada pelo primeiro suplente do partido, e não da coligação partidária.
ADPF 153: O STF entendeu, com base na Lei da Anistia (Lei 6.683/1979), que a anistia foi um acordo político amplo e irrestrito. A ação havia sido proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil para anular o perdão dado aos policiais e militares, que como representantes do Estado foram acusados de praticarem tortura durante o regime militar, e julgada improcedente.
HC 97.256: É possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em crimes de tráfico de entorpecentes.
MS 28.279: O STF confirmou a decisão do CNJ que havia declarado vagos os cartórios de nota e de registro cujos responsáveis não estivessem no cargo por terem sido aprovado em concurso público por considerarem que eles não tinham direito adquirido ao cargo.
Clique aqui para ler o Relatório do Supremo Tribunal Federal de 2010: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfConhecaStfRelatorio/anexo/Relatorio2010.pdf
Fonte: Consultor Jurídico. Disponível em: www.conjur.com.br. Publicado em: 26/2/2011. Extraído em: 14/3/201
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