sábado, 26 de dezembro de 2009

Adoção à brasileira não pode ser desconstituída após vínculo de socioafetividade

Em se tratando de adoção à brasileira (em que se assume paternidade sem o devido processo legal), a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, seguindo o voto do relator, ministro Massami Uyeda, rejeitou o recurso de uma mulher que pedia a declaração de nulidade do registro civil de sua ex-enteada.
A mulher ajuizou ação declaratória de nulidade de registro civil argumentando que seu ex-marido declarou falsamente a paternidade da ex-enteada, sendo, portanto, de rigor o reconhecimento da nulidade do ato.
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. O Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) manteve a sentença ao fundamento de inexistência de provas acerca da vontade do ex-marido em proceder à desconstituição da adoção. Para o TJ, o reconhecimento espontâneo da paternidade daquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, registra como seu filho de outrem tipifica verdadeira adoção, irrevogável, descabendo, portanto, posteriormente, a pretensão de anular o registro de nascimento.
Inconformada, a mulher recorreu ao STJ, sustentando que o registro civil de nascimento de sua ex-enteada é nulo, pois foi levado a efeito mediante declaração falsa de paternidade, fato este que o impede de ser convalidado pelo transcurso de tempo. Argumentou, ainda, que seu ex-marido manifestou, ainda em vida, a vontade de desconstituir a adoção, em tese, ilegalmente efetuada.
Em sua decisão, o ministro Massami Uyeda destacou que quem adota à moda brasileira não labora em equívoco, ao contrário, tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e, ainda assim, ultima o ato. Para ele, nessas circunstâncias, nem mesmo o pai, por arrependimento posterior, pode valer-se de eventual ação anulatória postulando descobrir o registro, afinal a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu proveito.
“De um lado, há de considerar que a adoção à brasileira é reputada pelo ordenamento jurídico como ilegal e, eventualmente, até mesmo criminosa. Por outro lado, não se pode ignorar o fato de que este ato gera efeitos decisivos na vida da criança adotada, como a futura formação da paternidade socioafetiva”, acrescentou.
Por fim, o ministro Massami Uyeda ressaltou que, após firmado o vínculo socioafetivo, não poderá o pai adotante desconstituir a posse do estado de filho que já foi confirmada pelo véu da paternidade socioafetiva.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça - O Tribunal da Cidadania

Disponível em: http://mirianvelosoandrade.blogspot.com/2009/12/adocao-brasileira-nao-pode-ser.html

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Nova Lei de Adoção: avanços e retrocessos - mais utopia que realidade (I)


por Mirian Veloso M. de Andrade

Este é o primeiro de uma série de comentários sobre as alterações recentemente introduzidas em relação ao instituto da adoção, no Brasil. Temos por objetivo ampliar o debate, com vistas a que sejam identificados os aperfeiçoamentos e correções necessários aos textos legais, assim como esclarecer dúvidas que frequentemente nos são trazidas por casais interessados em acolher crianças, alguns com prévia experiência nas listas de espera das varas especializadas, outros não sabendo como lidar com as situações de carência e abandono de menores, entre outras, igualmente preocupantes que vivenciam na vizinhança de suas casas.

As mudanças se situam principalmente no contexto da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), incluídas pela chamada Nova Lei de Adoção (Lei federal nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, que entrou em vigor no início de novembro de 2009).

Comecemos pelo parágrafo 4º do art. 8º do ECA, que reza, com todas as letras, que “Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal”.

Mesmo o leitor mais desavisado irá concluir, à primeira leitura, que essa “incumbência” é praticamente um sonho! Cogitar que o Estado seja capaz de propiciar assistência psicológica à gestante, tanto durante a gestação como após o parto, é acreditar que o Estado saiba onde estão e quais os números de gestantes carentes existentes em cada Estado e Município do nosso imenso país. Sem falar no pequeníssimo número de profissionais especializados hoje lotados nas repartições públicas. Em relação a esse ponto, o novel diploma legal usa várias vezes a expressão “equipe interprofissional ou multidisciplinar”. (*)

Na continuidade, o parágrafo 5º do mesmo dispositivo prevê que a assistência acima referida “também” deverá ser prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. Em uma leitura apressada poderíamos concluir que o previsto no citado parágrafo 4º garante assistência psicológica somente à mãe que deseja entregar seu filho para adoção, uma vez que a quase totalidade dos dispositivos objeto da inovação legislativa são relativos ao instituto da adoção. No entanto, numa leitura conjugada dos dois parágrafos, verifica-se que qualquer mãe ou gestante que necessite de assistência psicológica, a terá (deverá ter) por meio do Estado. Aí que o sonho parece ficar mais distante, uma vez que o corpo técnico ou, como diz a lei, a equipe interdisciplinar, já tem se desdobrado para atender aos casos tão somente relativos à adoção. Em vista de tal situação, já é possível vislumbrar uma enxurrada de pedidos na Justiça para que o Poder Público cumpra a política pública assegurada nos parágrafos acima.

O parágrafo único do art. 13 do ECA prevê que gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude. Vê-se uma pretensão de avanço na legislação, o que já era estimulado pela Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal. Caminhando nesse sentido, podemos acreditar que a chamada “adoção à brasileira” – caso em que a genitora entrega o infante para terceiros e estes vão até um cartório e o registram como se fosse seu filho biológico –, tem os seus dias contados.

No entanto, as contradições já aparecem, como veremos mais à frente, pois, simultaneamente, a nova lei não apenas dificultou a adoção intuitu personae – aquela em que a mãe também escolhe para quem deseja dar o filho, mas o faz por meio de regular processo judicial - como ainda exigiu que toda criança adotanda seja previamente entregue ao Estado, que encaminhará os infantes para adoção, obedecendo a ordem de registro e habilitação feita por meio de um cadastro nacional. Daí decorre o complicador, a saber: muitas mães tem enorme receio de deixar o filho em um abrigo, por não saberem por quais mãos será a criança acolhida. Neste passo, aumenta o risco de incentivo à prática da “adoção à brasileira”. Este ponto será mais extensamente debatido quando abordarmos a questão relativa à família natural e à família extensa.

O art. 19 do ECA demonstra efetivo avanço quando propõe que toda criança ou adolescente que estiver em programa de acolhimento familiar ou institucional tenha sua situação reavaliada, no máximo, a cada seis meses. Este tópico já suscitou polêmica entre os profissionais da área, por não acreditarem que o Judiciário, e sua equipe profissional terão tempo hábil para reavaliar um total estimado em 80 mil crianças abrigadas em todo país.

Ora, os motivos pelos quais estas crianças chegam aos abrigos são diversos, mas majoritariamente por falta de condições econômicas da família, por uso e abuso de entorpecentes pelos familiares, por haverem sofrido violência física e psíquica. Estes são motivos que dificilmente se resolverão em um período de dois anos. A uma porque são famílias oriundas das camadas mais pobres da sociedade; a duas porque as políticas públicas hoje vigentes não dão conta de reestruturar estas famílias em período tão curto, e nem há o que esperar muito ainda que esse termo se prolongue. Explica-se. O que sabemos é que, em famílias bem estruturadas e com boas condições econômicas, o tempo que se gasta e a dificuldade em recuperar um membro dependente químico ou emocionalmente desequilibrado já são muito grandes. O que dirá então das famílias de baixa renda e, portanto, menos favorecidas? Este é um preço que as crianças “institucionalizadas” (ou seja, que são internas em instituições do Estado) não devem pagar.

É sabido que uma criança estrutura sua personalidade no máximo até seus sete anos de idade. Assim, o Estado tem o dever de entregar essa criança a um casal imbuído de elevadas expectativas positivas e de muito amor, para que sua personalidade venha a se estruturar sem o trauma da solidão do abrigo, sem falar na superação da experiência de abandono experimentada, por anos, pelo infante.

Até o próximo comentário.

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(*) É importante ressaltar que estes profissionais, ao menos do meu conhecimento, no Distrito Federal, ainda que em número proporcionalmente pequeno em relação ao volume de trabalho, tem feito um excelente trabalho junto à comunidade.